Custos da democracia

Autor: Aloizio Mercadante
 
A democracia gera custos financeiros, ditaduras não. O pleno funcionamento das instituições democráticas demanda investimentos e gastos de custeio. Ademais, as democracias impõem também o atendimento aos direitos sociais da população, que cria custos bastante elevados. Ditaduras, ao contrário, são, desse ponto de vista estreito, baratas. Basta um ditador e um eficiente aparelho de repressão. 

No entanto, ninguém duvida que os custos políticos e sociais das ditaduras são infinitamente mais pesados do que quaisquer gastos financeiros que as democracias possam requerer. Pois bem, é no quadro dessas reflexões que deve ser analisada a criação de vagas específicas e exclusivas para o Parlamento do MERCOSUL, tão criticada por alguns “mercocéticos”. 

Atualmente, o Parlamento do MERCOSUL é composto, à exceção da bancada do Paraguai, já eleita pelo voto direto, por parlamentares designados a partir de seus legislativos nacionais. Entretanto, o Protocolo Constitutivo do Parlamento prevê que “os parlamentares serão eleitos pelos cidadãos dos respectivos Estados partes, por meio de sufrágio direto, universal e secreto”. Ademais, esse protocolo estipula também que as vagas para cada país serão proporcionais à população, já que o Parlamento do MERCOSUL não representa Estados, mas cidadãos. 

Havia, contudo, muitas resistências a que o Brasil, conforme esse critério da “representação cidadã”, tivesse um número maior de parlamentares do que os outros países do bloco. Afinal, no MERCOSUL, o Brasil é gigante em tudo: população, PIB, peso político internacional etc. 

Pois bem, após paciente enfrentamento dessas resistências, conseguimos, na reunião do Parlamento realizada em Assunção, fechar histórico acordo político que define os números dos parlamentares por país, o que permitirá a realização de eleições diretas para esse legislativo supranacional, consolidando a dimensão democrática do MERCOSUL. 

Num primeiro período, entre 2010 e 2014, o Brasil elegerá 37 parlamentares para a sua representação; a Argentina, 23; e o Paraguai e o Uruguai, 18. Depois dessa etapa, o Brasil terá, a partir das eleições de 2014, 75 cadeiras e a Argentina, 43. Paraguai e Uruguai continuarão com 18 cadeiras. Na realidade, o Brasil e a Argentina propuseram voluntariamente um número menor de cadeiras até 2014, em atendimento à austeridade que a crise internacional demanda. 

Obviamente, as eleições diretas e a criação dessas vagas exclusivas para o Parlamento do MERCOSUL gerarão custos financeiros, embora bastante moderados. Além desses custos financeiros, há também outro custo, que foi assumido primordialmente pelo Brasil e, em menor grau, pela Argentina. Referimo-nos ao custo político de uma relativa sub-representação. O nosso país aceitou ter um número de cadeiras que não é estritamente proporcional à sua população (79% da população do MERCOSUL). É que o Parlamento do MERCOSUL está baseado na experiência do Parlamento Europeu. Lá, a representação dos cidadãos assenta-se no princípio da “proporcionalidade regressiva”. Isto é: a representação é proporcional à população, mas não diretamente proporcional. Os países mais populosos, como a Alemanha, têm um número de cadeiras inferior ao que poderiam aspirar, caso a proporcionalidade fosse seguida estritamente. Por seu lado, os países de menor população, como Malta, têm um número proporcionalmente maior de cadeiras. Desse modo, Malta possui um representante para cada grupo de 80 mil habitantes, ao passo que a Alemanha tem um representante para cada grupo de 830 mil habitantes. 

A consciência de que os processos de integração têm de enfrentar as assimetrias econômicas, políticas e demográficas entre as nações leva a Alemanha a aceitar a sua sub-representação e a acatar integralmente as decisões do Parlamento Europeu. O mesmo fará o Brasil no MERCOSUL. 

Esses custos financeiros e políticos envolvidos na criação de um Parlamento do MERCOSUL eleito diretamente pela população certamente suscitam no cidadão a seguinte questão: vale a pena? Claro que vale. O MERCOSUL é um projeto estratégico para o Brasil. Ele aumenta nosso protagonismo internacional e gera grandes dividendos econômicos e comerciais para o país. Esse bloco, incluídos os Estados associados, foi responsável, em 2008, por 19,6% das exportações brasileiras, ao passo que os EUA responderam, no mesmo ano, por apenas 14%. Saliente-se que essa corrente de comércio regional é fortemente superavitária para o Brasil, tendo gerado, no ano passado, US$ 14,4 bilhões de saldo positivo para o nosso país, mais da metade do saldo total obtido (US$ 24,8 bilhões). 

Mas para que o MERCOSUL se consolide falta algo mais. Jean Monnet, artífice da União Europeia, disse a respeito daquela integração regional: “Nós não coligamos Estados, nós unimos as pessoas”. Para que isso aconteça no MERCOSUL, são necessários parlamento e democracia, com todos os seus custos.

Fonte: Correio Braziliense (Brasil)